terça-feira, 12 de agosto de 2008

Quindim Na Portaria

Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde, numa de suas prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros e quindins na portaria do prédio do Mario Quintana: “Para estar ao lado sem pesar com a presença”.
Há outras histórias e poemas interessantes no livro, mas me detive nesta frase porque o não pesar os outros com nossa presença é um raro estalo de sensibilidade.
Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade tem outro nome: frescura.
Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado, ninguém pesa com sua presença num mundo já tão individualista e solitário.
Ah, pesa.
Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados.
Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de meu próprio quarto, se sei que está ocupado.
Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma conversa por telefone. não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas.

Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do Messias, o que dirá a do vizinho.
Pessoas estão jantando. Estão preocupadas.
Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas só usam quando ninguém está vendo.
Pessoas estão chorando.
Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito.
Pessoas estão se amando.
Avise que está a caminho.
Frescura, jura?
Então tá, frescura, que seja.

Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los sabendo que nada interromperei do lado de lá.
Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade.
Dizemos pelo computador coisas que face a face seriam mais trabalhosas.

Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo?
Nem se discute que o encontro é sagrado.
Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios.
Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela.
Quando mando flores, vou junto com o cartão.
Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida havia sentido, anos antes.
Também é estar junto.
Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é distância: é só um outro tipo de abraço.

Martha Medeiros

Pode até ter alguma razão de ser, mas... não vamos esquecer de adicionar uma pitada de surpresa nas coisas que fazemos... Boas surpresas sempre são bem-vindas...

Um comentário:

Sika ;3 disse...

literalmente “para estar ao lado sem pesar com a presença”
;*